quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Gilberty Glenn

"Gilberty andava contraído e inquieto na saleta anexa a seu quarto, que ele chamava de escritório. Séculos de existência, não fizeram o tempo mudar as coisas... ou nem mesmo as coisas mudavam por si mesmas... a única impressão da passagem do tempo eram as dunas de pó que sedimentavam os objetos... além disso, nada mais acontecera. "Com a alma deve ser assim também",pensava Gilberty. "Quantas coisas devem estar enterradas sob a poeira do tempo... e ocultas de meu consciente".Há anos vivia entre o jardim de sua Casa Cinzenta e os cômodos que acompunham. Há muito tempo não punha os pés na rua... como se ao fazer isso perdesse o direito de retornar.Seu mundo, e suas limitações estavam entre aquelas paredes. Mas...principalmente Elionor, que era sua liberdade e seu vício. Ela, mais do que qualquer outro motivo o mantinha ali. Sua presença em cada canto, cada parede, cada móvel. Seu doce perfume de rosas cálidas, que invadia-lhe o quarto e a alma todas as manhãs, sua voz macia e centrada que lhe vinha conciliar o sono, muitas vezes atordoado por pesadelos.
Gilberty recebera a Casa Cinzenta como herança de seu bisavô, Ivo Krezien Glenn. Sua existência soturna e confinada naquela casa situada numa rua tão pequena e esquecida alimentava muitas histórias absurdas,que costumavam contar para as crianças da família Glenn para se obter delas o mínimo de obediência . Gilberty nunca se interessou muito pelas histórias de sua família, e depois de mais um desentendimento com seus pais, tomou a resolução de tornar-se dono legítimo da Casa
Cinzenta, já que no testamento de Ivo, seu nome constava como herdeiro do imóvel. E foi assim que, em março de 1872, com vinte e dois anos, que Gilberty fora conhecer sua nova aquisição, para não mais sair de lá. Junto com a casa estava Elionor, e tamanha foi a surpresa para os dois ao descobrirem-se! Passavam horas a conversar, devaneando sobre a vida e sobre a morte, dois assuntos considerados extremistas demais para o nosso rapaz. E muitas vezes, Elionor lhe falava sobre a vida além do corpo. Falava com uma convicção tremenda, que por várias vezes, abalou o ceticismo inveterado de seu interlocutor. A veracidade e loqüência de suas afirmações fariam qualquer um acreditar que aquela pálida garota entendesse e conhecesse a fundo os mistérios sobre os quais falava. Aos poucos, Gilberty foi-se afeiçoando aquela criaturinha tímida e ao mesmo tempo tão segura, que jamais sorria ou falava de si e de sua história. A única coisa que se sabia dela era seu primeiro nome,Elionor e que morava ali naquela casa, como mais um dos objetos que a ornavam.

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