quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Clarisse

Clarisse acordou com olhos virados para dentro, vendo escuridão e dor onde deveria haver amor.



Mas Clarisse nunca soube o que havia lá dentro e resolveu descobrir.


Andando dentro de si descobriu uma corda e com ela escalou o muro de musgos pulando para o outro lado que ainda estava bem escuro, e seguindo uma borboleta lilás fosforescente chegou a uma janela que dava visão às brumas densas lá em baixo, pois ela estava numa torre muito alta, uma torre inatingível que era mesmo sua inabalável alma!


Olhando para dentro e ao seu redor, Clarisse viu? Lápides frias de todas as fases de sua vida, enterradas e nada fazia sentido.


Assustada, ela correu, mas as lágrimas embaçavam-lhe avista e suas pernas pareciam feitas de chumbo, pois cada passo era uma penúria insana... seus pés estavam grudando no chão e tornando-se parte dele.


A pobre começou a cavar suas pernas com as unhas, a fim de livrar-se de sua prisão tão inusitada.


Clarisse chorava e com suas lágrimas lavou o sangue das feridas de suas mãos que revelavam pouca carne e alvos ossos frágeis prontos para serem esmagados.


Arrastando-se por entre corredores (pois os pés haviam sido deixados para trás) ela buscava por uma saída. Mas todos os caminhos da torre lha faziam retornar à saleta da torre com lápides e para janela retorcida.


Seu corpo enegrecia-se toda ela começava a fazer parte de toda sua escuridão mental. Já estava a acostumar-se com o frio quando mais uma vez encontrou-se diante da janela. O que poderia haver além daquelas brumas lá em baixo? Nada poderia ser pior do que aquele labirinto sem entrada e sem saída.


Fechou os olhos com muita força e atirou-se pela janela. Passou tanto tempo a cair que não sabia precisar com exatidão o tempo que passou assim. Lembrava apenas da sensação de liberdade ao perceber-se caindo... caindo... até que finalmente seu corpo sentiu o impacto surdo sobre os arbustos cheios de espinhos que não lhe furaram a carne já tão machucada. Apensar do denso nevoeiro e da falta de luz, Clarisse sentia arder-se toda e como a sentir febre seus músculos queimavam, e para sua surpresa, seus pés estavam nascendo de seus tornozelos. Aquela era mesmo uma cena peculiar: seus ossos retorciam-se para que novos pés nascessem.


Aturdida, caminhou pelo jardim seco e malfadado ao descaso, atravessou um portão enferrujado e nunca mais voltou.


O sol intenso acariciou com seu calor as pálpebras de Clarisse que acordou com os olhos virados para fora e nunca mais retornou para dentro de si mesma.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Um breve comentário...

Ha... o conto abaixo Encantamento, é bem antigo, uns três anos atrás! Mas não poderia deixar de comentar que na época, sem conseguir antenar um nome para o conto, pedi ajuda para uma grande amiga minha: A Thaís, com quem mantenho um blog o Sedentarismo Metamórfico junto com outros amigos! Pois é... quem disse que escrever contos dá trabalho? trabalho mesmo é dar nome... é batizar a criança!

até breve!

Encantamento

Quão triste e doce era aquela melodia que Garbo ouvia todo anoitecer. Nunca soube de onde vinha, mas tocava seu coração profundamente! E sentia-se encantado.
Coisa curiosa, que ninguém mais além de Garbo esta música ouvia, olhos vidrados semblante confuso, eram os efeitos que a música lhe provocava e muitas vezes fora chamado de mentiroso, lunático.
Quisera mesmo numa época em sua infância aprender a tocar flauta para poder em fim, mostrar a todos a melodia com que somente seus ouvidos deleitavam-se... mas Garbo não fora agraciado e por mais que tentasse, via-se impossibilitado de conseguir tocar a maravilhosa melodia.
Anos passaram e o franzino garoto tornou-se forte rapaz. Sua estatura um tanto robusta destoava drasticamente com seu interior ingênuo e frágil. Finalmente aprendera a tocar flauta, tocava magnificamente, mas a melodia que ainda ouvia em todo fim de tarde lhe era simplesmente impossível de ser tocada.
Numa tarde, depois de apresentar-se num casamento em aldeia próxima a sua, Garbo dormiu entre as sombras que as árvores projetavam, vindo a acordar sobressaltado quando o sol já se punha. Acordava ao som da única música capaz de apetecer-lhe a alma, e desta vez, sentia algo diferente... podia ouvi-la e senti-la muito mais próxima que qualquer outra vez em que ouvira e de repente nasceu-lhe novamente aquele antigo sonho de infância de saber a origem da maravilhosa melodia.
Começou a caminhar rapidamente, guiando seu caminho pela música. Seu coração ora acelerava ora acalmava, mas sua cabeça estava totalmente voltada para o encontro que tantas vezes imaginara. Este dia! Quantas vezes fora surpreendido nos sonhos quando, ao encontrar quem tocava a melodia simplesmente acordava e não conseguia ver o ser encantado. Fosse o que fosse com certeza não poderia ser humano, pensava ele com seu espírito jovem e ingênuo.
Caminhou durante horas, a lua já despontava cheia de toda sua alvura no céu estrelado, iluminando o caminho. Seu corpo não cansava, e apesar dos arranhões um único objetivo se mostrava diante de seus olhos. Quando chegou ao alto de uma colina, avistou o que parecia ser uma pequena caravana, que transpassava a trilha íngrime e estreita que dava no rio de Khel Hamon, onde muitas vezes, Garbo banhara-se. A música se fazia ainda mais presente e tão intensa, que ele tinha dúvidas se ela não vinha mesmo era de dentro de si. Escorregou entre os arbustos do declive da colina e chegou até os absortos seres caminhantes, que andavam com a mesma determinação de Garbo, não falavam uns com os outros, mas cantarolavam baixinho a mesma melodia mágica que já nos é conhecida. Isso surpreendeu muito nosso rapaz, que nunca se quer conseguiu assobia-la.
Mesmo sem a troca de informações ele sabia que estavam indo para o mesmo lugar, e só de pensar nisso, sorria exultante e sentia felicidade extremada.
A madrugada findava-se e o sol estava prestes a aparecer, quando chegaram ao rio. A forte correnteza não intimidou nossos viajantes, que entraram nas águas, e, no entanto não fora arrastados. Afundaram e nunca mais houve resquícios destes seres na superfície.
Garbo mal pode acreditar quando entraram por um túnel no fundo do rio e este túnel que se encontrava seco, tinha as paredes cravejadas de diamantes e outras pedras preciosas e tão brilhantes que iluminavam parcamente o corredor que dava numa gruta milagrosamente iluminada, com uma luz de origem inexplicável que ao entrar em contato com os olhos, dava uma sensação de conforto. Maravilhado, Garbo sentiu o corpo estremecer ao perceber que estava próximo da fonte da melodia...
No centro da gruta havia uma garota esguia e pálida, cujos pés não tocavam o chão e tinha a cabeça jogada para trás, e os longos cabelos castanhos e ondulados a escorregaram pelas costas e chegarem até os tornozelos. Garbo pretrificou-se diante de tão encantadora visão e seus companheiros de viagem sentaram-se ao redor da garota flutuante onde também haviam outros seres de aspectos diferentes, mas que tinham em comum a fascinação pela misteriosa melodia cantada pela garota.
Ela cantava numa língua desconhecida aos humanos, mas que tocava profundamente. E mesmo sem entender o porquê, Garbo sentiu grande tristeza, como se cantar aquela melodia fizesse tremendo mal a sua alma. Lágrimas cristalinas escorriam de seus olhos, que não se podiam ver a cor por estarem semiserrados. E só então, Garbo percebeu que fitas vermelhas prendiam os tornozelos da garota às colunas que se encontravam em cada lado seu.
Ao ver as fitas, sua angústia tornou-se sufocante. Aproximando-se lentamente e com pesar, desatou os delicados laços que prendiam aquela doce criatura a um lugar que, mesmo fazendo jus a sua beleza, tornara-se sua penosa cela. Por um momento, a doce garota flutuante olhou fundo nos olhos de Garbo e revelou-lhe grandes e belos olhos violetas. Seu olhar profundo revelou mais que sua cor, contou toda sua história. Aos poucos, Gwnidion (este era seu nome) foi desaparecendo e consigo também a melodia se fora. Garbo entendeu que a melodia era toda lamúria e tristeza. Uma grande dor lhe invadiu o peito ao descobrir que por tantas vezes, sua alma sentiu-se completa com a dor de outra.
Os seres da gruta juntaram-se ao redor de Garbo com ódio nos olhos e modos bruscos. Estavam irritados por haverem perdido Gwnidion. Acorrentaram-lhe as pernas, prendendo-o no mesmo lugar onde outrora, uma bela criatura flutuou.
E então Garbo entristeceu-se ao lembrar de todos que deixara na superfície. E seus lamúrios tornaram-se melodia... a mesma melodia que tentara por toda sua vida tocar.