terça-feira, 15 de setembro de 2009

Oslav Orsov

"Pode cair fora bêbado". Projetado para fora de um bordéu, nos arredores de Moscou, foi uma vez avistado o Sr. Orsov, em uma cena incomum. Incomum sim, pois um jovem da mais alta linhagem da sociedade russa da época, estava a ser escorraçado de um lugar, onde, a hipocrisia e a lascívia reinavam, e onde com certeza, um "bem-nascido" jamais seria enxotado á rua como um cão, a quem ninguém deseja. Mas, Oslav Orsov, parecia amaldiçoado e esquecido, desde a noite do grande incêndio, inesquecível ao país, todos sentiram-se abalados com a notícia de que um bairro nobre e grande parte da periferia foram incinerados em apenas algumas horas. Casualidade ou simples infortúniodo destino? Familia, casa, (entre outros bens materiais) e mais importante para si, sua vida, findaram-se entre chamas inexplicáveis. Desta noite, carregava apenas uma breve e angustiante lembrança, que nunca lhe fora revelada com nitidez. E o mistério de como se salvara continuava intocado.
Levantando-se e limpando a neve do único sobretudo que lhe restara, saiu cambaleante pelo caminho nevado, perdendo-se no labirinto das ruas, que se costuravam em serpentes. Mesmo fraco, sua mente mantinha-se fértil, entregue a delírios, e á toda sorte de confusos sentimentos, ouvia a sinfonia macabra de seus demônios pessoais que uivavam e riam! Riam de sua miséria, de sua fome... fome esta que se tornara bestial desde a noite do incêndio. Suas alucinações, pintavam-lhe um quadro de horrores, vindo em sua direção. E neste interim, avistou uma figura sombria, recostada numa árvore, iluminada pelos raios do luar, ainda tímido pela presença das nuvens, que circunvagavam pesadamente pelo céu.
Procurando ter certeza de sua visão, limpou os olhos, e fora atingido por uma rajada de ar frio do inverno. E, para sua surpresa, estava frente a frente com sua sombria Afrodite, semi-nua, com longos cabelos negros a escorregar-lhe até a cintura, cobrindo-lhe a silhueta. Podia sentir o cheiro do horror e da morte, vindo em sua direção. Suas pernas vacilaram, e já não tinha, forças para manter-se sobre elas, quando sentiu-se amparado por braços fortes e frios que o embalaram em seus pesadelos, com canções tristes e melancólicas,criadas centenas de anos antes. Antes mesmo de seu surgimento neste mundo. Com letras ininteligíveis a princípio, mas, compreensíveis com o passar lento dos segundos. Um negro caminho abriu-se diante dos seus olhos ébrios, com curvas mortais e degraus intransponíveis por corpos humanos, de tão altos... desafios amargos a serem enfrentados...
Ao seu lado a figura de uma deusa, cujo o olhar lhe inspirava bens inesgotáveis e vida eterna, estendeu-lhe a mão frágil, de delicados dedos, e ao tocar a mão que lhe fora oferecida, percebeu-se tragado pela escuridão. Quando reabriu os olhos, encontrou-se numa sala, com janelas enormes de vitrais empoeirados e ar cáustico. Diante de si, postavam-se duas figuras: uma, vestida de negro, com um brilho vermelho nos olhos, sua alva pele e corpo franzino, eram visíveis através do delicado tecido... A outra, envolvida por vestes simples que denunciavam sua posição serviçal, possuía uma aparência frágil, que remetia á sua inocência juvenil. Seus olhos pareciam perdidos no espaço, e aparentemente, não importava-se de estar atada a uma cadeira. Parecia nem mesmo dar contade sua própria existência.Uma voz doce o induziu a abraçar a jovem hipnotizada. Seu lado humano repudiava a ação, mas o som do coração acelerado de sua vítima, o conduzia a sugar-lhe toda a vida, enquanto sua presa deliciava-se no prazer funesto de sua morte. Seu avental, antes branco, tingiu-se lentamente de rubro líquido...
Oslav sentiu-se saciado. Seu coração acalmou-se, e já não ouvia a doce voz, que calou-se ao alimentar seu lado negro e voluptuoso com a vida de mais um ser...




Este conto está disponível no fanzine Adorável Noite n° # 029# de meu amigo escritor Adriano Siqueira!

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